terça-feira, 13 de julho de 2010

Saudade


E como nos filmes a chuva banhava o mármore cinza. Havia algo no ar que eu não entendia bem, certa letargia...
O pequeno campo estava molhado, mas o céu não estava totalmente nublado. Seria uma suave garoa passageira que parecia estar propositalmente acontecendo naquele exato momento. Não havia chovido nesses dias, apenas hoje. Seria coincidência?
Eu estava em frente ao túmulo de uma amiga da minha infância.
Olho para a lápide em minha frente e tento me lembrar de todas as alegrias que passamos juntos. Dos tempos em que brincávamos na pracinha perto da minha casa e de todas as besteiras que fazíamos juntos.
Eu costumava mexer com ela para que, irritada, ela corresse atrás de mim. Corria como um louco, sem me importar com as pessoas que nos viam. Éramos crianças e aquela foi a melhor fase da minha vida.
Não tínhamos as preocupações e deveres da vida adulta, apenas brincávamos alegremente. Tudo era mais simples e divertido e como qualquer pessoa, eu imagino, sinto muita saudade daquele tempo.
Saudade.
Fazia tempo que eu não tinha contato com ela e nos reencontramos recentemente. Marcamos de nos encontrar nas férias, pois ambos estávamos com muita saudade um do outro.
Mas o pior aconteceu.
Tinha tantas coisas para falar e agora eu não poderei mais. Não tinha mais contato com ela, mas saber que eu nunca terei só faz apertar o peito e a saudade me atinge inexoravelmente.
Penso em todos os amigos que não tenho mais contato, seja por desavenças ou simplesmente pela ação do tempo.
Será que um dia eu irei voltar a vê-los?
Mesmo os que eu acabei me desentendendo. Será que eu terei a oportunidade de conversar novamente com eles? Será que eu terei a sabedoria de perdoá-los e eles a mim?
Gostaria muito de mudar as coisas, gostaria de ver o sorriso da minha amiga que está enterrada novamente.
Algumas coisas eu posso fazer, outras não.
Não sei se eu poderei reencontrar a todos que gostaria.
A única coisa que eu sei é o que eu sinto...
Saudade.

sábado, 10 de julho de 2010

Vinícius de Moraes

"Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos...

Saudades até dos momentos de lágrima, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim... do companheirismo vivido... Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre...

Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nos e-mails trocados...

Podemos nos telefonar... conversar algumas bobagens. Aí os dias vão passar... meses... anos... até este contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo...

Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos que eram nossos amigos. E... isso vai doer tanto!!! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... nos reuniremos para um último adeus de um amigo. E entre lágrima nos abraçaremos...

Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado... E nos perderemos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades..."

domingo, 4 de julho de 2010

Como Sempre

Acordo e me sento na cama como faço todos os dias. Não entendo isso, mas faço. Como sempre. Não tenho mais motivo nenhum para levantar, mas ainda assim eu acordo. Não sei o porquê.
Estou todo suado como sempre. Tive pesadelos horríveis. Sonhei com minha família como sempre. Acordo com uma sensação de vertigem. Tudo em volta tem um ar onírico e como sempre eu sinto que não descansei o suficiente...
Isso é verdade, pois além de ainda doerem todos os meus ferimentos, como sempre não dormi à noite e o sono perturbador chegou apenas de manhã, quando os primeiros feixes de luz atravessaram as frestas da minha janela iluminando escassamente meu quarto.
Agora a luz está mais forte, já se passou do meio dia, e posso ver a bagunça e desordem que se tornou meu quarto. Não tenho vontade de arrumar, pois na verdade eu não tenho vontade de mais nada.
Vejo a arma colocada despojadamente ao lado da minha cama. Eu a seguro com minha mãe direita. Leve. Tem apenas uma bala. A mesma bala que eu deixo todas as noites, pois toda a manhã eu faço esse mesmo ritual.
Como sempre.
Desde pequeno eu escuto as pessoas falando que se eu continuar vivendo da forma que vivo uma bala me estaria esperando no fim. Isso é verdade. Essa é a bala e todas as manhãs eu penso em acabar com minha angústia.
A bala que me faria encontrar os amores da minha vida.
Levanto-me e mesmo nu eu abro a janela. Não há quase ninguém nessa cidade desgraçada. Todos já foram para suas famílias nesse feriado e eu ainda estou aqui. Dias de silêncio onde eu quase não escuto minha própria voz. Apartamento vazio e escuro onde nem à noite eu me importo de acender as luzes. Sozinho como sempre e mesmo que estivesse uma multidão aqui eu ainda estaria só...
Ando descalço pelo chão de tacos malcuidados e não me importo com os cortes que os cacos de vidro causam ao pisar neles. Já tive ferimentos piores.
Lembro da minha amada e volto a pegar a arma.
A vida era mais fácil mesmo antes de conhecê-la. Meus inimigos eram óbvios. Amarelos comunistas. Eu atirava e eles morriam. Simples. Preto e branco.
Entretanto tudo está diferente agora. Não mais posso determinar o mal. Melhor. Não vejo mais a diferença entre bem e mal. Estou em uma cidade suja em um país impregnado pela corrupção.
Então eu escuto uma sirene e me lembro.
Como sempre.
Lembro o porquê eu não meto uma bala na minha cabeça miserável.
Ainda há bandidos lá fora.
Assassinos, estupradores, ladrões e todo o tipo de escória que nossa sociedade pode produzir. Um câncer que deve ser curado, ou melhor, que deve ser extirpado.
Eu devo punir porque ninguém mais faz isso!
Coloco a arma de novo ao lado da cama.
Um dia vou apertar novamente o gatilho, mas não será hoje.
Hoje eu tenho um trabalho a fazer.