quarta-feira, 6 de junho de 2012

O Escudeiro




 “O escudo será a proteção dos desamparados
Apenas o mais honrado o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas”


E cavalgou entre os desamparados como se o pavor deles não o atingisse. Honra. Percorria as ruas do vilarejo investido pela armadura de aço trabalhada em finos detalhes que poucos forjadores eram capazes de entalhar. Seu escudo ostentava o Martim-pescador símbolo das Terras dos Senhores dos Cavalos levando os aldeões a tomá-lo como um nobre.
        Tinha realmente a coragem de um dos Cavaleiros de Solamnia das antigas lendas da formação dos reinos. Sabia o que tinha que fazer, mesmo que isso significasse a sua morte. Ele o faria. Inocentes deveriam ser protegidos e isso era mais precioso para ele que sua própria vida. Não tinha pronunciado seu juramento ainda, mas já tinha sua palavra como sua honra e sua honra era sua vida. As pessoas o tomavam como sua ultima esperança, mas mesmo assim fugiam desesperadas pelo maior temor dos seus íntimos. Mesmo aquele homem de armas não trazia conforto totalmente. Mesmo a imagem idealizada que tinham dele. Aquele guerreiro não era um cavaleiro de verdade, mas um escudeiro. Alguém que vestia as armas de seu lorde que estava apavorado e escondido de baixo de sua própria cama como uma criança indefesa pelo medo do escuro.
         Todos abandonavam a pequena Seridan. Todos tinham medo do pesadelo ancestral que tinha voltado para assombra-los. Todos tinham medo do dragão e seu hálito fumegante. Os telhados de feno das casas já estavam em chamas para o terror dos aldeões, mas isso parecia não incomodar o escudeiro. Ele continuava com passos nada vacilantes do cavalo de seu senhor e contra a maré de pessoas entregues ao caos e insanidade. O escudeiro avançava calmamente para a pequena entrada leste da Vila e pensava se alguém, ao menos, conhecia seu nome ou se saberia escrever algo sobre ele em sua lápide. Entenda que Huma era corajoso, mais que muitos Cavaleiros Solamnicos, era verdade; mas já não tinha esperança nenhuma de enfrentar o Dragão Vermelho e sobreviver a contenda. Então porque ele continuava? O escudeiro deveria ser o símbolo para aquelas pessoas, isso Huma tinha aprendido bem como também sabia que os inocentes deveriam ser protegidos.            
            Não importa se sobreviveria ao empate ou não. Estava escrito na Medida e na verdade não precisaria disso para saber que era o certo a fazer. Como escudeiro ele tinha ouvido muito seu lorde recitar a Medida, ou seja, as leis de cavalaria, mas Huma não seguia tal código... Ele era o código. Saiu da cidade e contemplou por um momento a neve por cima da Cordilheira de Granada e podia jurar que era capaz de ver a Floresta Enegrecida do outro lado, mas toda a paisagem se alterou quando o besta pousou na sua frente.        
           A primeira coisa que sentiu era o calor que emanava daquele corpo escamoso e rubro como sangue. Quente mesmo no inverno.As ventas bufavam um vapor escuro e fedorento como os de um vulcão preste a entrar em erupção. O Dragão abriu as assas esperando que o escudeiro fraquejasse e se entregasse a draconofobia. O cavalo empinou e o escudeiro desmontou para que o animal fugisse. Assim Huma apenas libertou calmamente a espada de sua bainha. Ambos se encararam por um tempo. O Dragão Vermelho e o jovem escudeiro. O terror e a esperança. Huma tinha esquecido de tudo em sua volta. Tinha esquecido de todo seu passado e tudo que tinha aprendido. Havia somente aquela besta na sua frente. Ele apontou a espada para a criatura e trouxe a lâmina para sua fronte. Cumprimentando solenemente seu oponente. A enorme serpente rubra arfou buscando ar e fervendo as chamas dentro de si. O ar ficou ainda mais pesado e quente como os nove infernos. Era o fim de todas as coisas. O Dragão soprou...